quarta-feira, 25 de novembro de 2015

PROTEÍNA DO SORO DO LEITE: COMPOSIÇÃO E SUAS PROPRIEDADES FUNCIONAIS

      O interesse da população por uma vida mais saudável vem crescendo nos últimos anos (HARAGUCHI et al., 2006; KRISSANSEN, 2007; TERADA et al., 2009). Esta tendência está acompanhada do aumento da procura por alimentos com propriedades funcionais. Entre os mais recentes, encontram-se os suplementos nutricionais à base da proteína do soro do leite bovino, mais conhecidos como whey protein, cujo efeito, segundo alguns autores, ocorre através do estímulo à síntese protéica devido ao maior aporte de aminoácidos essenciais (SGARBIERI, 2005; HARAGUCHI et al., 2006).
     O soro do leite é o líquido residual extraído a partir da coagulação do leite destinado à fabricação de queijos ou de caseína e pode ser obtido através de três processos principais: coagulação enzimática, resultando na precipitação de caseínas, matéria-prima para a produção de queijos; precipitação ácida ao atingir o pH isoelétrico da caseína; separação física das micelas de caseína por microfiltração; obtendo-se independentemente do processo um concentrado de micelas e as proteínas do soro, na forma de concentrado ou isolado protéico (BRASIL, 2005; ; SGARBIERI, 2005; HARAGUCHI et al., 2006; KRISSANSEN, 2007). A qualidade nutricional de uma proteína depende da sua composição, digestibilidade, absorção, biodisponibilidade de aminoácidos essenciais e de nitrogênios totais (PIRES et al., 2006; OLIVEIRA et al., 2012), sendo a digestibilidade o primeiro fator que reflete a eficiência da utilização protéica na dieta sendo considerada um condicionante de qualidade (SGARBIERI, 2005). As frações do soro são constituídas de: β-lactoglobulina, α-lactoalbumina, albumina do soro bovino (BSA), imunoglobulinas, caseína do soro, lipoproteínas, lactoferrina, lactoperoxidase e glico-macropeptídeos. Essas frações, no entanto, podem variar em tamanho, peso molecular e função (ANTUNES, 2003; SGARBIERI, 2005; HARAGUCHI et al., 2006). Apesar de existir uma elevada variedade de proteínas presente no soro do leite, as propriedades dos concentrados protéicos do soro são principalmente relacionadas com as propriedades da β-lactoglobulina (ANTUNES, 2003). As principais funções biológicas das proteínas do soro do leite bovino incluem: reparação celular, construção e reparação de músculos e ossos, geram energia, essencial para quem pratica atividades físicas, além de outros benefícios que estão ligados a processos metabólicos do corpo, como atividade imunoestimulante, proteção ao sistema cardiovascular e atividade antimicrobiana e antiviral (SGARBIERI, 2005; HARAGUCHI et al., 2006). Este trabalho propõe através de uma revisão de literatura abordar as principais particularidades inerentes aos constituintes protéicos presentes no soro do leite, suas propriedades fisiológicas e funcionais; diferenciar a bioatividade das proteínas do soro com as caseínas; descrever os principais métodos empregados na recuperação destas proteínas no soro do leite; e apresentar as técnicas analíticas utilizadas para avaliação da qualidade protéica destas frações.
                   COMPOSIÇÃO DO LEITE E DO SORO
O leite é o fluido secretado das glândulas mamárias das fêmeas de todas as espécies de mamíferos, sendo um liquido de composição complexa, cuja as propriedades físicas variam de uma espécie para outra (OLIVEIRA, 2009). O leite de vaca é composto de água (87,3%) e sólidos totais (12,7%), assim distribuídos: proteínas totais (3,3 a 3,5%), gordura (3,5 a 3,8%), lactose (4,9%), além de 0,7% de minerais e vitaminas (SGARBIERI, 2005; YÜKSEL & ERDEM, 2009). As proteínas do leite constituem ingredientes dos mais valorizados pelas suas excelentes propriedades nutritivas, tecnológicas e funcionais. Suas propriedades nutritivas e tecnológicas derivam da composição dos aminoácidos que atendem a maioria das exigências fisiológicas do ser humano (HUFFMAN, 1996; SGARBIERI, 2005). A composição do soro de leite fresco liberada do coágulo durante a fabricação de queijo possui cerca de 94,25% de água, 0,8% de proteínas do soro, 4,30% de lactose, 0,55% de minerais e 0,10% de gordura. Ou seja, 5,75% de sólidos, dos quais aproximadamente 13% são proteínas contendo em média 50% de β-lactoglobulina, 25% de α-lactoalbumina e 25% de outras frações (OLIVEIRA 2009; OLIVEIRA et al., 2012). De acordo com ANTUNES (2003), na produção de queijos, a obtenção de soro de leite varia entre 80% a 90% do volume de leite utilizado. O Brasil produz algo em torno de 1,72 milhões de toneladas de soro/ano, das quais 1,58 milhões de toneladas são simplesmente descartadas. Isto significa uma perda de 11,7 mil toneladas de proteína/ano.
VALOR NUTRICIONAL DAS PROTEÍNAS DO SORO X CASEÍNA
Comparando-se o teor protéico do leite de diferentes espécies animais, observa-se através da literatura que o leite de ovelha e búfala apresenta teores de proteína maior quando comparado ao leite de vaca e de cabra, ficando por último o leite da égua. Entretanto ainda não existem estudos que especifiquem a intrínseca diferença entre as frações protéicas do soro do leite nas diferentes espécies (OLIVEIRA, 2009). O que se sabe, é que esta diferença está relacionada ao conteúdo geral de proteínas presentes no leite. De acordo SGARBIERI (2005), a concentração de proteína total e a relação entre caseína e proteína do soro apresentam uma variação de 1,4 a 12% de proteína em leites de diversas espécies. Trabalhos recentes têm demonstrado que as proteínas do soro apresentam algumas vantagens em relação às caseínas. Uma das explicações para tais vantagens pode estar relacionado à própria estrutura da caseína, pois, diferentemente das soroproteínas, as caseínas sofrem alteração conformacional, ou seja, se desnaturam na presença dos ácidos estomacais e acabam perdendo parte de suas propriedades funcionais e, para ter função fisiológica, os peptídeos têm que ser absorvidos pelo intestino na sua forma ativa (PACHECO et al., 2005; RENHE, 2008). Outro ponto a ser questionado, é o valor aminoacídico das proteínas do soro em relação às caseínas. Estas últimas possuem quantidades limitadas de aminoácidos sulfurados (metionina e cistina), o que lhe confere menor valor biológico. Por outro lado, as proteínas do soro possuem todos os aminoácidos essenciais, além de boa digestibilidade e serem rapidamente absorvidas pelo organismo (HUFFMAN, 1996; SGARBIERI, 2004; OLIVEIRA et al., 2012).
          PROPRIEDADES FISIOLÓGICAS E FUNCIONAIS
Estudos realizados em diferentes modelos experimentais (animais, humanos e células in vitro), utilizando a proteína do soro do leite, têm comprovado a eficácia deste produto no aumento da capacidade imunomoduladora, ação antibacteriana e antiviral, ação anticancerígena, aumento no combate a infecções e processos inflamatórios, ação no sistema cardiovascular, além de outros benefícios (SGARBIERI & PACHECO, 1999; PACHECO et al., 2005). Segundo SGARBIERI (2004), as frações protéicas estão atribuídas a suas propriedades fisiológicas e funcionais, responsáveis por produzir importante controle na regulação do metabolismo, retardamento de processos patológicos ou do envelhecimento precoce. As proteínas do soro do leite modulam a função imune através da produção de glutationa (GSH), substrato essencial do sistema imunológico. A partir da digestão dessas proteínas, são formados peptídeos com a sequência glutamilcistina, substratos para a síntese da glutationa, que exercem poder estimulatório sobre os linfócitos que sintetizaram as imunoglobulinas. No entanto para que isto ocorra, a estrutura nativa das proteínas deverá estar intacta, preservando a atividade biológica original (CRIBB et al., 2002; SGARBIERI, 2004; PACHECO et al., 2005). FÉLIX (2009) considera o soro de leite como o “soro da memória” pelo fato desse subproduto concentrar componentes que atuam sobre os neurônios na formação de suas redes e das sinapses. O efeito antimicrobiano é proveniente principalmente das lactoferrinas e das lactoperoxidades. As lactoferrinas inibem a proliferação e o crescimento de bactérias gram-positivas e gram-negativas, assim como leveduras, fungos e protozoários por sequestrarem o ferro disponível no ambiente, enquanto as lactoperoxidases têm propriedade bactericida através da oxidação de tiocianatos em presença de peróxido de hidrogênio. As frações de β-LG e α-LA, após hidrólise enzimática, também apresentam atividade bactericida (SGARBIERI, 2004). Dados epidemiológicos indicam que a dieta é um fator principal na origem do câncer, pois assim como na ação imunoestimuladora, a glutationa também é responsável pelas atividades anticancerígenas (CRIBB et al., 2002; HERNÁNDEZ et al., 2008). Em levantamento realizado por SGARBIERI (2004), foi verificado que em estudos experimentais com dietas de roedores contendo proteínas do soro do leite ocorreu inibição no aparecimento e no crescimento de tumores de cólon de forma mais significativa que a caseína, as proteínas de carne bovina e as da soja. Após a avaliação desses dados foi possível concluir que as proteínas do soro atuaram de maneira mais eficaz no combate a tumorigênese induzida em roedores, que as demais proteínas testadas. As proteínas do leite atuam também no sistema cardiovascular, inibindo a agregação plaquetária, reduzindo a pressão sanguínea e os níveis de colesterol no sangue, diminuindo assim os riscos de patologias cardiovasculares. Esta ação se deve à liberação, após hidrólise enzimática, de peptídeos com ação hipotensora ou anti-hipertensiva. Estes são capazes de inibir a ação da enzima conversora de angiotensina I em angiotensina II (ECA). Além da ação hipertensora, a angiotensina II estimula a produção do hormônio aldosterona que age diminuindo as excreções renais de fluido e de sais, aumentando a retenção de água e o volume de fluido extracelular. Atividade anticoagulante também é vista em peptídeos derivados da lactoferrina, que inibem a agregação de plaquetas (SGARBIERI, 2004). Sabe-se que o excesso de gordura corporal é considerado no mundo todo um problema de saúde. De acordo com OLIVEIRA et al., (2012), é comprovado cientificamente que o alto teor de aminoácidos essenciais das proteínas do soro afeta os processos metabólicos da regulação energética, de forma a favorecer o controle e a redução da gordura corporal. Segundo pesquisa realizada pelo mesmo autor, foi constatado que as dietas que apresentam maior relação proteína/carboidrato são mais eficientes para o controle da glicemia e da insulina pós-prandial, situação que favorece a redução da gordura corporal e a preservação da massa muscular durante a perda de peso. Conforme descrito por SGARBIERI (2005), nos últimos anos tem-se verificado um avanço importante da nutrição esportiva, com base em princípios fisiológicos e bioquímicos. Uma alimentação especial pode promover melhor saúde e otimizar os benefícios do treinamento. O exercício físico tem profundo efeito no metabolismo das proteínas, no consumo de O2 acima dos níveis de repouso, no transporte de aminoácidos e de glicose, bem como na concentração de lactato muscular. De acordo com HARAGUCHI et al., (2006), o estresse oxidativo produzido durante a atividade física contribuiu para o desenvolvimento da fadiga muscular de atletas, diminuindo o desempenho físico. Por ser considerada uma excelente fonte de proteínas e proporcionar ótima retenção de nitrogênio, o soro do leite tem sido inserido na alimentação de atletas. Logo, os aminoácidos essenciais, com destaque para os de cadeia ramificada, favorecem o anabolismo, assim como a redução do catabolismo protéico, favorecendo o ganho de força muscular, reduzindo a perda de massa muscular, além de afetar os processos metabólicos da regulação energética, favorecendo assim o controle e a redução de gordura corporal (HARAGUCHI et al., 2006; OLIVEIRA et al., 2012). Contudo, é necessário que haja mais pesquisas sobre exercício físico e metabolismo protéico para elucidar qual é a quantidade de proteína que o esportista devera consumir para alcançar seus objetivos.
Apesar das inúmeras pesquisas mostrando os benefícios do soro do leite para a saúde, a maioria delas realizadas com animais, pouco se conhece sobre as funções e os benefícios de inúmeros componentes menores (natureza protéica ou não-protéica) presentes no soro e recuperados em maior ou menor proporção. Portanto, o conhecimento ainda é muito limitado sobre esses efeitos no organismo humano. Muito há que se pesquisar sobre os verdadeiros mecanismos de ação dessas proteínas e peptídios e das quantidades que devem participar da dieta para produzir seus efeitos benéficos. O conhecimento ao redor da qualidade das frações proteicas de outras espécies ainda é desconhecido, logo, é necessário que haja estudos que detalhem o perfil protéico nas diferentes espécies e, a partir destas informações será possível informar o valor biológico dos peptídeos presentes nos diferentes soros e a importância de se obter concentrados de soro a partir do leite de outras espécies além do concentrado de soro do leite bovino. Muitas das propriedades funcionais fisiológicas estão condicionadas à manutenção da integridade estrutural dessas proteínas, significando que é necessário otimização nas metodologias de obtenção para a preservação das estruturas das proteínas e de suas propriedades.
REFERÊNCIAS
ABECIA-SORIA, M.I. Efeitos metabólicos induzidos pelo consumo de dietas com caseína (padrão) e proteínas de soro de leite bovino (isolado e hidrolisado) usadas como única fonte protéica em ratos (Wistar) submetidos a treinamento físico em esteira.

ANTUNES, A. J. Funcionalidade de proteínas do soro de leite bovino. São Paulo: Ed. Manole, p.142, 2003.


Postagem da Aluna Stefane 



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